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    Marcelo Zero

    É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

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    Comentários sobre temas internacionais

    Reflexões sobre acordo Mercosul-UE, Venezuela e também embaixada da Hungria, por Marcelo Zero

    Viktor Orban e Jair Bolsonaro (Foto: Marcos Corrêa/PR)

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    1- Acordo Mercosul-UE é ruim, mas não por causa do que Macron diz

    Macron disse que é Acordo Mercosul-UE é péssimo. É verdade, o acordo é ruim, mesmo. Mas não em razão do que ele argumenta. 

    Não é por causa da “gramática antiga” e por não ter nada, no texto, sobre meio ambiente. Não é verdade. O acordo tem todo um capítulo sobre desenvolvimento sustentável e seu texto previamente negociado foi redigido recentemente.

    Na realidade, o Acordo Mercosul-UE beneficia fundamentalmente a UE e sua indústria. Esse é o ponto.

    Em primeiro lugar, deve-se assinalar que há uma grande assimetria na “linha de largada” do Acordo. 

    As tarifas médias de importação da UE estão em 4,7%, ao passo que as do Mercosul estão em cerca de 13%. Dessa forma, as concessões tarifárias da UE serão muito menores que as do Mercosul.

    Em segundo, a indústria europeia tem muito mais escala e é bem mais tecnologicamente desenvolvida que a do Mercosul. 

    Em conjunto, esses fatores, além de outros, poderão dizimar ou enfraquecer subsetores relevantes da nossa já combalida indústria.  

    No caso da indústria automotiva, por exemplo, o acordo Mercosul-UE implicaria importantes benefícios para a UE em termos de aumento dos saldos comerciais bilaterais nos subsetores automotivo e de autopeças, com base em sua forte competitividade internacional. 

    Em contrapartida, as concessões feitas ao Mercosul na área agrícola apenas beneficiam marginalmente alguns setores do nosso bloco e não têm o condão de estimular um crescimento significativo da nossa agricultura, ao contrário do que se imagina.

    Macron está apenas sucumbindo às pressões de seus agricultores. No fundo, o que ele diz não tem nenhuma relação com o meio ambiente e a biodiversidade. 

    É só a antiga, bem antiga, gramática do protecionismo agrícola europeu.

    2- Venezuela não Pode se Dar ao Luxo de Agredir Amigos

    O Brasil é um país amigo da Venezuela.

    Muito embora as relações bilaterais tenham começado a se adensar ainda no governo Itamar Franco, com a assinatura do “Protocolo da Guzmania”, foi durante os primeiros governos Lula que elas adquiriram dimensões estratégicas. 

    Saliente-se que, durante aqueles períodos, o Venezuela se tornou um dos principais parceiros econômicos do Brasil. Entre 2003 e 2008, as exportações brasileiras para a Venezuela passaram de US$ 608 milhões para 5,15 bilhões. Em 2009, o Brasil teve com a Venezuela seu maior saldo comercial: US$ 4,6 bilhões dólares, 2,5 vezes superior ao obtido com os EUA (US$ 1,8 bilhão). Além da quantidade, é preciso ressaltar a qualidade desse comércio. Cerca de 72% das nossas exportações para a Venezuela eram de produtos industrializados, com alto valor agregado e elevado potencial de geração de empregos. 

    Tudo isso se perdeu com a crise e, especialmente com o governo Bolsonaro, que resolveu romper relações com esse importante vizinho e passou a se relacionar com o governo fictício de Juan Guaidó. Com isso, perdemos muita influência na Venezuela. Em 2021, a China exportou US$ 2,19 bilhões para a Venezuela, mais do dobro que o Brasil conseguiu exportar para lá (US$ 1,08 bilhão).

    O Brasil, agora, no terceiro governo Lula, reverteu essa decisão ridícula que causou prejuízos imensos ao país. Reabriu a embaixada em Caracas, retomou os contatos e recebeu Maduro em Brasília com todas as honras. 

    O terceiro governo Lula está, assim, totalmente empenhado na reconstrução dessas relações. Não apenas isso. O Brasil também está empenhado em contribuir para a superação do conflito interno da Venezuela e para o total levantamento das sanções que aquele vizinho sofre.

    Maduro sabe, ou deveria saber disso. Mas parece que não sabe ou não quer saber.

    Bastou o Brasil manifestar preocupação crítica em relação à interdição da candidata Corina Yoris, sem impedimento legal claro, para que o governo Maduro agredisse nosso país de forma baixa. 

    Afirmaram que a nota do Brasil sobre o assunto, aprovada por Lula, parecia ter sido redigida pelo Departamento de Estado dos EUA. Enfim, acusou-se o Brasil, nas entrelinhas, de ser, nesse episódio, uma espécie de “capacho do império”. Acusação semelhante sofreu Petros, da Colômbia.  

    Ora, a preocupação do Brasil procede e, ao contrário do que se disseram alguns, a sua explicitação não tem nada a ver com interferência nos assuntos internos da Venezuela.

    O Brasil é um dos países fiadores dos “Acordos para Promoção dos Direitos Políticos e Garantias Eleitorais e para Garantia dos Interesses Vitais da Nação, em 17 de outubro, em Bridgetown”, que ficaram mais conhecidos como “Acordo de Barbados”. 

    Nosso país, entre outros, empregou seu prestígio e sua influência para esse que esse acordo entre o governo de Maduro e a oposição fosse firmado. Obviamente, o Brasil tem interesse em que esse acordo seja respeitado, de modo a que Venezuela supere definitivamente sua crise política, social e econômica.

    O grande interesse objetivo do Brasil é ter um entorno próspero, pacífico e livre das pressões geopolíticas da nova Guerra Fria.

    É claro que as autoridades brasileiras não são ingênuas. Sabem bem que boa da oposição da Venezuela, de extrema-direita, não tem nenhum compromisso com a democracia. Participaram do golpe de 2002 contra Chávez, se recusaram a participar de eleições, investiram em violência política e pediram sanções contra o próprio povo venezuelano.

    Por outro lado, contudo, o primeiro ponto do Acordo de Barbados reza que:

    Las Partes reconocen y respetan el derecho de cada actor político de seleccionar su candidato para las elecciones presidenciales de manera libre y conforme a sus mecanismos internos, atendiendo a lo establecido en la Constitución de la República Bolivariana de Venezuela y la ley.

    Há de se ter algum bom senso, quanto a isso. É óbvio que a oposição da Venezuela, muito dividida e autofágica, vai contestar os resultados eleitorais, caso Maduro vença o pleito, como as pesquisas preveem. E vai sustentar suas reclamações com base nessas decisões de impedir candidaturas.

    A Venezuela, bastante isolada, precisa de amigos. É falta de inteligência ficar atacando o Brasil e a Colômbia.

    Nada mais reacionário que a burrice. Chávez faz falta.

    3- Foi a Inteligência dos EUA?

    É possível que as imagens de Bolsonaro na carnavalesca embaixada da Hungria em Brasília tenham sido disponibilizadas por alguma agência de inteligência dos EUA, talvez a ubíqua, quase onipresente, NSA.

    Um vazamento da própria embaixada ou de alguma força do Brasil teria sido apresentado para a mídia local. O fato de a denúncia ter sido publicada originalmente no The New York Times, um jornal bastante conectado com a administração do Partido Democrata, parece indicar que a origem mais plausível seria a inteligência dos EUA.

    Ademais, a reportagem do The New York Times utilizou também imagens satelitais de alta resolução, típicas de satélites militares.

    Não foi coisa de amadores. Foi coisa de gente altamente profissional.

    A reportagem desgastou dois líderes da extrema-direita mundial e aliados de Trump, Bolsonaro e Orbán. Pode ter havido, portanto, interesse político na matéria.  

    Isso, entretanto, não elimina a gravidade das denúncias sobre Bolsonaro, sobejamente comprovadas. Não dá para brigar com fatos, venham de onde vierem e registrados por quem for.

    Bolsonaro tentou escapar de uma ameaça, ainda que imaginária, de prisão. E Orbán tentou obstruir a justiça brasileira.

    Se foi ou não a inteligência dos EUA que os flagrou é algo juridicamente irrelevante.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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